OPINIÃO
Numa das minhas crónicas anteriores sinalizava o nascimento de uma nova ordem mundial. Nesse momento os sinais dessa nova ordem mundial eram ainda ténues, mas havia já indícios de que o dia 24 de Fevereiro tinha alterado, profundamente, a geopolítica mundial. Hoje, isso parece ser uma realidade inquestionável.
Até ao começo da barbárie russa na Ucrânia, o Ocidente esteve enganado sobre Moscovo.
Como escreve David Satter no livro Quanto menos soubermos, melhor dormimos “desde que Putin assumiu o poder, o Ocidente manteve uma imagem da Rússia sem nenhuma relação com a realidade”. Acreditava que a Rússia estava numa trajectória de participação sincera no concerto das Nações, comercializando as suas matérias-primas, procurando desenvolver a sua sociedade, desempenhando o seu papel na economia mundial.
O começo da guerra fez passar para segundo plano o primado do desenvolvimento harmonioso das Nações. A guerra tornou-se a prioridade. O que temos assistido até agora é a disrupção dos circuitos do comércio mundial.
As sanções ocidentais, justamente aplicadas como instrumento condicionante das aspirações imperialistas de Putin, estão a contribuir para desregular o equilíbrio que existia na sensível malha da globalização. Que, convenhamos, está a correr sérios riscos. Em maio de 2022, em relação a maio de 2021, as exportações para a Rússia dos países que aderiram às sanções caíram 60% e as exportações dos países que não aderiram caíram 40%.
Isto inclui a China que viu diminuir, consideravelmente, as suas exportações para a Rússia. A juntar a isto a Europa, primeiro consumidor dos produtos chineses, olha com desconfiança a sua dependência do mercado chinês. Não parece ser saudável para as democracias a excessiva dependência de regimes autocratas!
Para além dos perigos que a guerra introduziu na malha sistémica da globalização, há um novo alinhamento na geografia política mundial. O mais significativo sinal disso é o crescimento da NATO e a entrada das neutrais Suécia e Finlândia na lógica de uma possível confrontação com Moscovo. O que Putin pensava ser um passeio sem complicações até Kiev foi a semente de uma nova ordem mundial.
Os países ocidentais fazem agora contas ao seu PIB para alcançar os 2% dedicados aos orçamentos da guerra. Claro que isto prejudica as agendas ambiental, social, do desenvolvimento económico. O que se gasta na guerra não se gasta em educação, em investimento produtivo, em ferramentas na defesa do ambiente. Façam favor de agradecer a Putin!
No plano da geo-estratégia estão a desenhar-se, mais nitidamente, dois blocos. A NATO, alinhada à Europa fez da Rússia o seu inimigo principal. O novo Conceito Estratégico da NATO faz subir para 300 mil o número de homens em prontidão para qualquer eventualidade.
O Ocidente tem um olho na Rússia, mas vai também olhando de soslaio para a China. Do G7 fala-se já do G12, que na lógica da prevenção de um conflito com a China incluem alguns “tigres asiáticos” entre eles a Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão.
E, nesta lógica, os países do G7 dedicaram a verba de 600 biliões de dólares como contraponto à iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda. Vejam, portanto, onde já vai a harmonia entre Estados e a desconfiança que está a gerar-se. Agradeçam, se faz favor, ao sr. Putin.
Entretanto a guerra vai continuar. Provavelmente, por muito e maus anos. O presidente Macron deve estar arrependido de se preocupar tanto com a humilhação de Putin quando este, há escassos dias, lhe respondeu que preferia ir jogar hóquei no gelo do que reunir-se com Macron e Biden para acabar com a guerra. De humilhações estamos pois conversados!
Há, assim, sinais mais palpáveis do surgimento de uma nova ordem mundial. Não é por acaso que Putin resolve promover uma reunião dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para contrapor a um Ocidente mais prevenido, mais vigilante, mais preocupado em manter unidas as suas hostes.
Pouco a pouco vai-se desenhando uma nova ordem mundial. Que é mais disruptiva, mais perigosa, mais beligerante, menos global, menos diplomática. Nesta nova ordem mundial o Ocidente despertou. E quem lhe abriu os olhos foi Putin!
Jornalista
Diário de Notícias
António Capinha
01 Julho 2022 — 00:07