OPINIÃO
Não sei se António Oliveira seria um bom presidente da Câmara de Gaia. E, agora, nunca o saberemos.
Também não sei se Eduardo Pinheiro seria um bom presidente da Câmara do Porto. E, também, agora, nunca o saberemos.
As circunstâncias de ambos são diversas, mas o destino foi o mesmo.
Oliveira nunca esteve “na política”. Vem do futebol e dos negócios, de fora da bolha partidária, e estava longe das guerras de lugares e tricas internas de concelhias e distritais, dos que fazem carreira fazendo carreira no aparelho, na mercearia dos lugares e na recompensa que acham que merecem por “darem” a vida pelo partido.
Chocou de frente com a triste realidade.
Pinheiro é militante, foi vereador e depois presidente da Câmara de Matosinhos aquando da morte de Guilherme Pinto e estava secretário de Estado. Tinha currículo, “obra feita” e experiência autárquica.
Mas chocou de frente com a sinistra e poderosa concelhia do PS Porto, que desautorizou Costa e queimou todos os putativos candidatos que não fossem de “puro sangue” do aparelho. Pinheiro, diz o pior do PS Porto, nem sequer nasceu no Porto. O aparelho não admite um candidato nascido em Pombal, como não admitiu um candidato nascido em Baião.
(Esta explicação é ridícula, despropositada e discriminatória. Se fosse regra, alguns dos mais aclamados autarcas socialistas nunca o teriam sido: Fernando Gomes foi presidente da Câmara do Porto e nasceu em Vila do Conde. Narciso Miranda foi o senhor de Matosinhos e nasceu em Viana do Castelo. E Medina nasceu… no Porto, factor mais do que suficiente para nunca sequer poder sonhar em ser autarca em… Lisboa.)
Cada um à sua maneira, Oliveira e Pinheiro aprenderam da pior forma o poder dos aparelhos dos dois maiores partidos portugueses.
As escolhas, sobretudo autárquicas, não são feitas pelo mérito dos candidatos, pela competência que já demonstraram, pelo projecto que defendem, pelo currículo ou pela vontade de abraçar a causa pública. As escolhas são totalmente condicionadas por geometrias de distribuição de lugares, pela contagem de votos nos órgãos internos, por guerras intestinas e tribais, por trocas de favores e ambição pessoal e política. Ou melhor, ambição pessoal e partidária.
O tempo em que os partidos escolhiam os “homens bons” da terra, os que tinham influência nas populações, os que eram respeitados e admirados, os que já tinham dado prova nas suas profissões de que eram capazes de transformar a realidade existente em algo melhor, esses, estão todos, hoje em dia, afastados da causa pública.
Porque, precisamente por serem independentes no pensamento, livres na acção e desprendidos de lugares ou mordomias, não querem entrar no cerco dos partidos, recusam as regras não escritas das lutas partidárias, enojam-se com o despudor, oportunismo e o clientelismo das “concelhias e distritais”.
Claro que há, no aparelho, quem genuinamente trabalhe para a res publica, quem acredite que é através da militância que se pode melhorar o país e quem dedique o seu tempo a tratar do bem comum.
Mas estes são uma pequena minoria do exército de “profissionais da política”, de gente que nunca fez nem fará mais nada na vida a não ser andar pendurado no aparelho, nas reuniões partidárias, e viver à custa dos lugares distribuídos em câmaras, institutos, instituições e organizações.
Já nos prometeram, em meados dos anos 1990, que não haveria more jobs for the boys.
Engano.
Há, e cada vez mais. E, por isso, cada vez menos espaço para independentes. Para gente livre e capaz, para mulheres e homens com profissões e vidas fora “do partido” mas que acham que podem contribuir.
Aproveitem o álcool-gel que sobrar da pandemia e desinfectem os aparelhos.
A democracia agradece a higienização.
Jornalista
Diário de Notícias
Pedro Cruz
29 Junho 2021 — 00:07